11.
Agora escrevo:
é este o momento de recomeçar,
o tempo avança,
e eu procuro, nas entrelinhas da vida,
aquilo que me move
também a mim
no curso ininterrupto da sociedade,
e a resposta a este anseio só pode ser uma
uma só:
o espírito:
e, então, é como se eu esculpisse num bloco de pedra
uma fissura vertical
a partir da qual eu pudesse respirar
de novo
e de um novo modo,
atravessando os mundos subtis:
nada mais será igual no silêncio consciente,
que regressa,
e que tem a forma
de uma claridade na noite,
que tem a forma de uma serenidade que chega
no momento certo,
depois de um recolhimento na trajetória da existência,
construindo uma outra história,
na alma do meu ser:
e, no entanto, é muito aquilo que é difícil de
enfrentar:
sem gestos heroicos,
nem grandeza de ação,
é
no quotidiano de cada dia
que é mais delicado encarar a vida
naquilo que ela tem de ausência de mistério,
e é, nesse quotidiano, que tantas e tantas vezes
tropeço,
como quem cai no chão
numa noite
mais escura, porque há pedras nos caminhos:
mas há um impulso
que me faz continuar na senda do espírito,
sorrindo
e abraçando
quem comigo se cruza,
e que é a crença de que mesmo na incerteza
de tudo
vale a pena viver:
falo do simples acordar
a cada madrugada,
mesmo antes do sol nascer,
para poder assistir ao milagre do mundo,
quando as coisas
adquirem
a forma, a textura, a cor;
e os meus passos soam a algo inicial,
porque são grandes,
mesmo quando tudo em mim tem a pequenez
da enorme massa humana:
pressinto
que esta é a minha forma de lidar com o sofrimento
que a tantos arrasta para
o abismo
de uma morte,
mesmo estando vivos;
a minha bússola é o amanhecer:
é ele que me permite relacionar com o mundo
de uma forma intuitiva
e como se eu fosse parte deste movimento da natureza,
que, desperta,
se apronta para existir de novo,
após ter experimentado
um fim;
assim também eu, no preclaro do dia,
saio do anoitecer
para a aventura de um começo
no qual
pensamento e ação
se conjuguem
e encontrem no espírito
a verdade:
e a verdade é que o caminho é interno:
toda a minha travessia
é um caminho dentro de mim,
apenas
dentro de mim;
posso caminhar ao lado dos outros
e com os outros,
mas, na senda, sou eu tão só,
que, tanto que vença como seja derrotada,
progrido e singro
com a lição aprendida ao longo do percurso:
mas é uma jornada sem pódio:
é uma jornada de silêncios:
o espírito
nunca olha para o que antes foi;
pouco lhe interessa
a noite
que passou;
o seu fito é o dia que amanhece e que
quase sagrado
ronda a existência
numa intenção pura:
dádiva do reencontro com aquilo que é mais sublime –
o recomeço –
a intenção alinhada com a vontade
por um instante
apenas;
o tempo em que não há barulho no mundo
e todas as coisas
têm em si mesmas
uma promessa de perfeição.