terça-feira, 7 de outubro de 2025

11.

Agora escrevo:

 

é este o momento de recomeçar,

o tempo avança,

e eu procuro, nas entrelinhas da vida,

aquilo que me move

também a mim

no curso ininterrupto da sociedade,

e a resposta a este anseio só pode ser uma

uma só:

 

o espírito:

 

e, então, é como se eu esculpisse num bloco de pedra

uma fissura vertical

a partir da qual eu pudesse respirar

de novo

e de um novo modo,

atravessando os mundos subtis:

 

nada mais será igual no silêncio consciente,

que regressa,

e que tem a forma

de uma claridade na noite,

que tem a forma de uma serenidade que chega

no momento certo,

depois de um recolhimento na trajetória da existência,

construindo uma outra história,

na alma do meu ser:

 

e, no entanto, é muito aquilo que é difícil de enfrentar:

 

sem gestos heroicos,

nem grandeza de ação,

é

no quotidiano de cada dia

que é mais delicado encarar a vida

naquilo que ela tem de ausência de mistério,

e é, nesse quotidiano, que tantas e tantas vezes tropeço,

como quem cai no chão

numa noite

mais escura, porque há pedras nos caminhos:

 

mas há um impulso

que me faz continuar na senda do espírito,

sorrindo

e abraçando

quem comigo se cruza,

e que é a crença de que mesmo na incerteza

de tudo

vale a pena viver:

 

falo do simples acordar

a cada madrugada,

mesmo antes do sol nascer,

para poder assistir ao milagre do mundo,

quando as coisas

adquirem

a forma, a textura, a cor;

e os meus passos soam a algo inicial,

porque são grandes,

mesmo quando tudo em mim tem a pequenez

da enorme massa humana:

 

pressinto

que esta é a minha forma de lidar com o sofrimento

que a tantos arrasta para

o abismo

de uma morte,

mesmo estando vivos;

a minha bússola é o amanhecer:

 

é ele que me permite relacionar com o mundo

de uma forma intuitiva

e como se eu fosse parte deste movimento da natureza,

que, desperta,

se apronta para existir de novo,

após ter experimentado

um fim;

assim também eu, no preclaro do dia,

saio do anoitecer

para a aventura de um começo

no qual

pensamento e ação

se conjuguem

e encontrem no espírito

a verdade:

 

e a verdade é que o caminho é interno:

 

toda a minha travessia

é um caminho dentro de mim,

apenas

dentro de mim;

posso caminhar ao lado dos outros

e com os outros,

mas, na senda, sou eu tão só,

que, tanto que vença como seja derrotada,

progrido e singro

com a lição aprendida ao longo do percurso:

 

mas é uma jornada sem pódio:

 

é uma jornada de silêncios:

 

o espírito

nunca olha para o que antes foi;

pouco lhe interessa

a noite

que passou;

o seu fito é o dia que amanhece e que

quase sagrado

ronda a existência

numa intenção pura:

 

dádiva do reencontro com aquilo que é mais sublime –

o recomeço –

a intenção alinhada com a vontade

por um instante

apenas;

o tempo em que não há barulho no mundo

e todas as coisas

têm em si mesmas

uma promessa de perfeição.

 

  

Sem comentários:

Enviar um comentário