quinta-feira, 7 de agosto de 2025

9.

Agora escrevo:

 

o anjo bom

mitiga a sede da minha alma, agora que na noite

eu procuro os vestígios mais claros do amor em cada passo que eu dou,

e, como uma borboleta que poisa numa mão humana

fechada e abandonada,

nesses caminhos da vida,

também eu quero voar e poisar nesse rochedo,

no centro de um coração, onde, pequenina como uma flor,

singelamente,

eu possa permanecer como numa eternidade, sem medo:

 

do que sentes saudade?, interrogo-me

sem saber

porque o perguntei:

 

não penso num lugar em particular,

nem num momento vivido,

e respondo:

 

do amanhã, como se nesse vazio de ser ainda

estivesse já contida, com segurança, uma medida do passado:

 

lembrança do vir a ser:

momentânea, atómica, vivida a cada momento, vivida a cada instante,

o que será e já deixou de ser:

 

sim:

 

não há hiatos de vazio – a saudade é um contínuo modo de estar –

é um labirinto sem saída senão a da morte:

 

por isso, entendo que o amor que eu procuro é um silêncio

feito de respiração apenas e dele sinto

a saudade do que não vivi,

porque não aconteceu esse tempo de ser,

mas, na memória da imaginação,

revisito o dia e a hora

e o lugar

onde floresce o amor:

 

invisível movimento de maré imprevista:

 

posso esculpir

naquele rochedo que toquei

o verso que amanhecerá o amanhã

sempre tíbio

do cuidado que colocamos na construção do amor,

como quando numa conversa nos inquietamos com aquilo

que falamos

por receio de não ser exato o que dizemos

enquanto expressão de nós mesmos:

 

mas a dança da vida

não permite que ensaiemos os passos e cada um de nós se deve entregar

ao movimento que advém da passagem do tempo – sem amanhã

que seria a saudade que tenho agora

desse momento e lugar

que toca uma parte íntima de mim? –

mas a dança da vida

possui o rasgo extraordinário de fazer acontecer a esperança saudosa

que,

sem contradição,

nos permite pressentir o que está para vir:

 

mas hesito

no vínculo do desejo:

 

o amor que procuro talvez não seja senão aquilo que ilude

entre dois gestos – o querer e o ter –

e se apaga como uma vela que uma ligeira brisa desvanece

antes que se cumpra,

no tempo,

um passado de memória:

 

é esta a sombra:

 

é esta a obscuridade:

para além do amor, nada mais tem a forma exata

e delicada

do cuidado que colocamos a procurá-lo,

do cuidado que é raiz

de árvore,

que nutre e alimenta,

que sustenta:

 

e, então, por maravilha, a noite enche-se de luz:

 

há uma ausência, mas o universo

responde

à minha sede, transbordando em claridade:

 

dissiparam-se as nuvens

e eu recomeço sem pressa

a busca subtil,

que é afinal a escuta do meu coração.

 

 

 

  

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