domingo, 7 de dezembro de 2025

 13.

Agora escrevo:

 

e se tudo, afinal, não passasse de um equívoco?,

se tudo, afinal, fosse apenas

uma confusão,

ou um erro, de uma mente perturbada;

até à saciedade, procuro uma resposta, mas a noite,

na sua soturna escuridão universal,

apenas adensa

esta espécie de dilema,

que não permite que eu seja fiel

a um propósito de uma escolha existencial firme:

 

aonde está a coerência entre o meu pensamento e a minha ação?:

 

em prol de uma dita liberdade,

desenhei um novo mapa dos céus e da terra

e, na minha mente, inteligi

um caminho

só meu,

apenas meu:

 

caminho este que com desassombro

me conduziria a uma mudança

como se, numa jarra,

as flores que murcham fossem por mãos delicadas

retiradas

para que o arranjo florido

mantivesse o seu viço e a sua beleza:

 

a harmonia:

 

como a água que escorre pelos dedos de uma mão,

também a harmonia se perde,

deixando de ser

autêntica e duradoura,

numa vida humana,

condenada que está à decrepitude e à dissolução;

sem o sentir,

como podemos encontrar a beleza?,

num rosto,

numa paisagem,

na terra,

no céu:

 

e é isto a harmonia:

 

a harmonia é uma forma de beleza,

e o caminho que traçamos a cada dia tem de ser harmonioso,

sem dúbias incertezas

nem decisões impetuosas,

que acorrentam o espírito para além da magna forma da vida,

que não permite que façamos um rascunho

de cada pensamento

e de cada ação:

 

às vezes, dou comigo mesma a pensar;

tenho consciência de que penso,

e cada ideia

brota após um hiato de vazio absoluto,

como se fosse como uma pausa na respiração,

ora como com o corpo cheio de ar,

ora como com o corpo vazio de ar:

 

esta pausa na minha mente

permite que as palavras

venham

ao meu encontro

como se por pura magia se manifestasse um pensamento novo,

não sonhado antes:

 

também assim deve ser com a ação mais pura;

aquela que se traduz

num gesto espontâneo,

livre de condicionalismos de qualquer espécie,

ainda que condenada

ao fracasso,

por lhe faltar, talvez, aquela consistência

do raciocínio lógico

e tantas vezes frio:

 

por isso encontro na noite algo mais do que apenas

as palavras

que afloram à minha mente,

enquanto dúbia

expressão

da tal suposta harmonia que devia existir a cada momento;

mas não existe;

nem sempre existe:

 

e, agora, nesta minha jornada,

na noite,

não consigo controlar o pensamento de dúvida:

 

e se tudo, afinal, não passar de um equívoco?,

que me aprisiona:

 

luz e sombra:

 

a noite aproxima-se da madrugada que, vigilante,

trará a luz do dia

e não quero enfrentar essa luz do amanhecer,

sem antes

encontrar um sentido

para as escolhas que faço e que me movem em direção

a não sei que abismo

de loucura talvez:

 

que é feito do centro da noite?,

em que a palavra

pode irromper

segura

e, ao mesmo tempo, frágil,

para aquietar

toda a tempestade:

 

e só a palavra revela o sentido da busca

e transcende a correria

do mundo,

como se em mim respirasse.

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 8 de novembro de 2025

 12.

Agora escrevo:

 

paro para desejar que a palavra muda

ganhe vida

e me interpele,

nas instâncias da noite,

como se uma conversa bastasse

para clarificar o mistério;

mas tudo é ausência neste espaço e neste lugar

aonde me encontro,

e a palavra é apenas uma centelha

silenciosa,

que reverbera num céu:

 

ela não pede assentimento para calar o que não pode ser dito:

 

ela, antes vem, súbita

e inesperada,

num momento em que o desejo

se materializa numa forma,

orvalhar

o tanto de sequidão do meu ser,

enquanto promessa

de revelação:

 

anseio por um abraço

como um amante que errou e se perdeu

num desejo obscuro

de solidão

e que mais não tem

que o lustro

das horas

até à eternidade:

 

mas este cansaço é a voz do tempo

que por mim chama;

pilar

da vida –

vibrante e mudo –

que liberta da exaustão,

se, espontânea e imperfeitamente,

eu for capaz

de encontrar a verdade

que atravessa o quotidiano das coisas que são

autênticas:

 

e, então, o lugar onde torna-se absolutamente indiferente:

 

pois, contemplar requer

uma certa atitude,

e não uma disposição particular do sítio,

que habitamos;

e a voz do tempo

só pode

ecoar em nós,

se for possível fazer uma pausa,

um intervalo,

na azáfama da labuta quotidiana:

 

é essa a barreira invisível

que procuro

derrubar:

 

talvez sonhando:

 

talvez acrescentando valor

ao pensamento,

que me escolhe em determinado momento,

e que eu acolho como nascendo de mim,

qual planta que floresce,

apenas

quando é o tempo

de florescer:

 

evadir-me da voz do tempo não é possível;

ela batalha

em segredo,

pronta a revelar

que o cansaço dos dias

é como um campo ou uma sala vazios,

sem o colorido da esperança:

 

mesmo quando parece

que não escuto

esta voz,

não me perco na voragem;

e perdoo-me,

como me posso perdoar,

seguindo em frente na aventura dos dias:

 

este é o meu tesouro:

 

podia desbaratá-lo, bem sei, se existisse em mim

a lágrima fácil,

para, depois, o chorar;

mas não é assim:

 

este tesouro

é a minha força sossegada,

que aquieta

quando tem de aquietar:

 

parar não significa desistir:

 

aquietar não significa lassidão:

 

e a palavra?, a palavra muda?,

que transforma em presença plena

o universo da noite

em algum lugar,

parece ter sido amplamente

pensada

e, no pensamento,

se firma,

qual muralha de pedra.

 

 

 

 

terça-feira, 7 de outubro de 2025

11.

Agora escrevo:

 

é este o momento de recomeçar,

o tempo avança,

e eu procuro, nas entrelinhas da vida,

aquilo que me move

também a mim

no curso ininterrupto da sociedade,

e a resposta a este anseio só pode ser uma

uma só:

 

o espírito:

 

e, então, é como se eu esculpisse num bloco de pedra

uma fissura vertical

a partir da qual eu pudesse respirar

de novo

e de um novo modo,

atravessando os mundos subtis:

 

nada mais será igual no silêncio consciente,

que regressa,

e que tem a forma

de uma claridade na noite,

que tem a forma de uma serenidade que chega

no momento certo,

depois de um recolhimento na trajetória da existência,

construindo uma outra história,

na alma do meu ser:

 

e, no entanto, é muito aquilo que é difícil de enfrentar:

 

sem gestos heroicos,

nem grandeza de ação,

é

no quotidiano de cada dia

que é mais delicado encarar a vida

naquilo que ela tem de ausência de mistério,

e é, nesse quotidiano, que tantas e tantas vezes tropeço,

como quem cai no chão

numa noite

mais escura, porque há pedras nos caminhos:

 

mas há um impulso

que me faz continuar na senda do espírito,

sorrindo

e abraçando

quem comigo se cruza,

e que é a crença de que mesmo na incerteza

de tudo

vale a pena viver:

 

falo do simples acordar

a cada madrugada,

mesmo antes do sol nascer,

para poder assistir ao milagre do mundo,

quando as coisas

adquirem

a forma, a textura, a cor;

e os meus passos soam a algo inicial,

porque são grandes,

mesmo quando tudo em mim tem a pequenez

da enorme massa humana:

 

pressinto

que esta é a minha forma de lidar com o sofrimento

que a tantos arrasta para

o abismo

de uma morte,

mesmo estando vivos;

a minha bússola é o amanhecer:

 

é ele que me permite relacionar com o mundo

de uma forma intuitiva

e como se eu fosse parte deste movimento da natureza,

que, desperta,

se apronta para existir de novo,

após ter experimentado

um fim;

assim também eu, no preclaro do dia,

saio do anoitecer

para a aventura de um começo

no qual

pensamento e ação

se conjuguem

e encontrem no espírito

a verdade:

 

e a verdade é que o caminho é interno:

 

toda a minha travessia

é um caminho dentro de mim,

apenas

dentro de mim;

posso caminhar ao lado dos outros

e com os outros,

mas, na senda, sou eu tão só,

que, tanto que vença como seja derrotada,

progrido e singro

com a lição aprendida ao longo do percurso:

 

mas é uma jornada sem pódio:

 

é uma jornada de silêncios:

 

o espírito

nunca olha para o que antes foi;

pouco lhe interessa

a noite

que passou;

o seu fito é o dia que amanhece e que

quase sagrado

ronda a existência

numa intenção pura:

 

dádiva do reencontro com aquilo que é mais sublime –

o recomeço –

a intenção alinhada com a vontade

por um instante

apenas;

o tempo em que não há barulho no mundo

e todas as coisas

têm em si mesmas

uma promessa de perfeição.

 

  

domingo, 7 de setembro de 2025

10.

Agora escrevo:

 

escuto o tempo,

na delicadeza da noite, procurando

conhecer o futuro, como quem sabe de antemão as misérias e os sucessos

que são a dádiva do devir:

 

jornada do silêncio,

no milagre da vida diária, a que nos acostumamos,

e que dizemos,

por isso, que é banal – um sorriso

a um desconhecido na rua, um gesto de amor

para consigo mesmo, uma pausa no meio de uma tarefa difícil – e que precisa de encanto:

 

e quem se olha ao espelho percebe

que, de entre as imperfeições

do rosto, há uma beleza

própria,

única,

singular,

que é irrepetível

tal como no curso uma própria vida:

 

que vida haverei?,

serão os meus sonhos futuros

iguais aos meus sonhos de hoje?:

 

ou tudo não passará

de uma única

ausência de mim na trama da existência?:

 

limite firme do presente

é essa linha intransponível, qual cortina de névoa,

ou de sombra,

que não nos permite saber o que virá a ser no amanhã;

mas há algo sereno em mim

que aguarda

por esse tempo que não conheço,

fulgurante, mas velado,

que desabrocha, sem pressa de ser:

 

há algo de íntimo no coração da noite, que se apropria de nós,

e me conduz em direção ao próprio mundo

como se um quintal

fosse a esquina de uma rua

ou o largo de uma avenida no meio duma cidade deserta,

e, imóvel,

eu pudesse encontrar nesse silêncio

a voz que anuncia em oráculos o tempo vindouro:

 

bem sei que este momento é efémero:

tudo passa:

 

e eu sinto-me espectadora deste espetáculo que é a vida,

como se assistisse a um desenrolar

de acontecimentos,

estranhos a mim,

sem poder sequer comover-me,

porque no palco do mundo tudo o que me desassossega

são sentimentos,

cujo centro está fora de mim;

e eu escolho sentir apenas uma quietude imóvel

e triste

perante a diversidade da existência:

 

o cunho da sensibilidade que me rege permite-me, contudo,

perceber a beleza

intensa

da noite do dia seguinte a este,

em que

estarei acometida da razão

a viver a golfadas cada momento novo,

como se esta mesma noite nunca tivesse existido,

senão enquanto sonho da mente

numa lembrança para sempre distante:

 

talvez me despeça,

um dia,

de todas as memórias e deixem de haver quaisquer lembranças;

talvez me acometa

a vertigem própria dos dias vividos sem a espera

pelo amanhã,

sem o sonho vívido do futuro,

sem o anseio por algo novo e inesperado:

 

mas esse tempo ainda não chegou;

essa noite que virá,

depois desta,

ainda está no limbo das horas que hão de ser

também elas mortalha de outras noites:

 

por isso, não adormeço,

acorda-me

a necessidade premente de pensar

que se estou aqui

é porque é esse o lugar aonde eu devo estar;

e também não me quero despedir,

num adeus que encerra

uma vida,

porque, na dádiva do tempo que temos para viver,

o silêncio volta a nós, uma vez e outra vez e outra, desafiado

por uma presença suave

de quem se demorou mas regressa por trilhos novos,

e tantas vezes inesperados:

 

há, contudo, uma dor inusitada neste esfarelar

do tempo, na noite, qual côdea

que mastigamos

para mitigar uma fome

e que nos contempla, demoradamente, como se todo o universo

nos olhasse do alto e do alto nos escutasse

também a nós.